Tempo de desprendimento
Os bens materiais são bons, porque são de Deus. São meios que Deus pôs à disposição do homem desde a criação, para que se desenvolvesse em sociedade com os outros. Somos administradores desses bens por um breve espaço de tempo. Tudo nos deve servir para amar a Deus – Criador e Pai – e aos outros. Se nos apegamos às coisas que temos e não praticamos atos de desprendimento efetivo, se os bens não nos servem para fazer o bem, se nos separam do Senhor, então não são bens, convertem-se em males.
Exclui-se do Reino dos céus todo aquele que põe as riquezas como centro da sua vida; idolatria, é como chama São Paulo a avareza. Um ídolo ocupa o lugar que só Deus deve ocupar. Exclui-se de uma verdadeira vida interior, de um relacionamento de amor com o Senhor, todo aquele que não quebra as amarras, ainda que finas, que o atam de um modo desordenado às coisas, às pessoas e a si próprio.
Com o bom uso que fizemos dos bens materiais – muitos ou poucos – que Deus pôs nas nossas mãos, ganharemos a vida eterna. A vida é o tempo de ganhar méritos. Se formos generosos e tratarmos os outros como filhos de Deus, seremos felizes aqui na terra e depois na outra vida. A caridade, nas suas diversas formas, é sempre realização do Reino de Deus, bem como a única bagagem que nos sobrará deste mundo que passa.
O nosso desprendimento deve ser efetivo, com resultados bem determinados, que não se conseguem sem sacrifícios; e, também, natural e discreto, como é próprio de cristãos correntes que devem servir-se de bens materiais no seu trabalho ou nas tarefas apostólicos. Trata-se de um desprendimento positivo, porque todas as coisas da terra são ridiculamente pequenas e insuficientes em comparação com o bem imenso e infinito que pretendemos alcançar; e ainda interno, pois diz respeito aos desejos; atual, porque exige que examinemos com frequência onde pomos o coração e tomemos resoluções concretas que assegurem a liberdade interior; e alegre, porque temos os olhos postos em Cristo, bem incomparável, e porque não é uma mera privação, mas riqueza espiritual, domínio das coisas e plenitude.
O desprendimento nasce do amor a Cristo e, ao mesmo tempo, possibilita que esse amor cresça e viva. Deus não habita numa alma cheia de bugigangas. Por isso é necessário um firme trabalho de vigilância e de limpeza interior.
Este tempo da Quaresma é muito oportuno para examinarmos a nossa atitude em face das coisas e em face de nós mesmos: tenho coisas desnecessárias ou supérfluas? Evito tudo o que para mim significa luxo e mero capricho, ainda que não o seja outros? Estou apegado às coisas ou instrumentos que devo utilizar no meu trabalho? Queixo-me quando não disponho do necessário? Levo uma vida sóbria, própria de uma pessoa que quer ser santa? Faço gastos inúteis por precipitação ou falta de previsão? Pratico habitualmente a esmola, generosamente, sem avareza? Contribuo para a manutenção de alguma obra apostólica e para o culto da Igreja com uma ajuda proporcionada aos meus ganhos e despesas?
Que Santa Maria, nossa Mãe, ajude-nos a limpar e ordenar os afetos do nosso coração para que só o seu Filho reine nele. Agora e por toda a eternidade. Coração dulcíssimo de Maria, guardai o nosso coração e preparai-lhe um caminho seguro.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro