Pedro, pedra de tropeço, nos chama à conversão
Leia a íntegra da homilia de Frei Gustavo Medela na abertura do Tríduo:
Vamos imaginar uma pedra e pensar quais são as características dela… A pedra é dura, firme, sólida, demora anos para se formar e também é pesada. No entanto, é capaz de ceder e se desgasta, por exemplo, quando fica anos sob a ação da água. E é por isso que diz o ditado: “Água mole, pedra dura, tanto bate até que fura”.
Agora, vamos olhar para o que chamamos pedra de tropeço. Ninguém tropeça em uma montanha…. Você já se imaginou levando um tropeção numa pedra do tamanho dessa sobre a qual nossa matriz está construída? Só se for em sonho. As pedras nas quais podemos tropeçar são justamente aquelas menores, do tamanho de um paralelepípedo para baixo. São estas das quais descuidamos no caminho e que podem nos derrubar, à vezes num tombo feio e que machuca, justamente porque não damos atenção a elas. Pedra de tropeço…
Pedro, no Evangelho de hoje, foi para Jesus esta pedrinha. Talvez nem ele tenha se dado conta do que estava dizendo para Cristo. O Senhor abriu o coração para ele e os outros discípulos, disse de todo sofrimento que haveria de passar por conta de sua fidelidade ao projeto do Reino e Pedro, com toda boa intenção, quis livrar o mestre de todas aquelas dores. Sutilmente desviaria Jesus no caminho do cumprimento de sua missão de anunciar e proclamar o Evangelho da justiça e da esperança. Ali Jesus poderia ter tropeçado, acatado a sugestão de Pedro e se retirado do caminho, deixando-se tomar pelo medo ou pelo comodismo: o Projeto de Deus estava ameaçado.
No entanto, Jesus, em toda sua sabedoria, própria ao Filho de Deus, soube dizer um não veemente a Pedro, passando-lhe, inclusive, uma grande descompostura, chegando a chamá-lo de Satanás. Palavras duras… Jesus teve a perspicácia de perceber que Pedro, apesar de bem intencionado, naquele caso, não estava raciocinando na lógica de Deus, mas tinha diante de si aspirações muito superficiais.
E, assim, também podem ser as pedras de tropeço em nossas vidas. Às vezes inocentes, às vezes iludidos, cedemos a apelos que, bem no fundo, sabemos que vão nos atrapalhar em nossa caminhada para Deus. É na sutileza do caminho que se abrigam as pequenas pedras de tropeço: a inveja, a vaidade, o orgulho, a ganância, a busca do prazer e do bem estar, a recusa em perdoar, tudo isto pode nos iludir, nos desviar da rota e depois de tropeçarmos é que vamos perceber o quanto nos machucou. É quando sofremos a dor de uma vida sem sentido, do desânimo, da solidão, da sensação de abandono. Tropeçamos, caímos e nos machucamos… O nosso coração sofre.
Voltemos a Pedro, que foi pedra de tropeço mais de uma vez. Na última ceia, por exemplo, quando não quis aceitar que Jesus lavasse seus pés. Ele ainda não tinha compreendido de fato qual era a missão do Filho de Deus, de servir e amar sem medida. Também quando negou Jesus, não uma, não duas, mas três vezes. Acovardado e encolhido diante da prisão do Mestre, do risco de morte que ele também corria, nosso padroeiro tropeçou feio e foi capaz de negar três vezes aquele a quem pouco tempo antes teria jurado amor incondicional.
Nessa Pedro caiu e caiu para valer, machucou-se muito… Depois se arrependeu e chorou, chorou até o fim da vida, tanto que um escritor da época registrou em seu livro que, mesmo depois de passada a morte e a ressurreição de Jesus, quando Pedro se lembrava do erro que havia cometido ao renegar Jesus, vertia correntes de lágrimas. “O costume de chorar era tão comum que seu rosto parecia todo queimado”, diz o escritor.
E assim também somos nós… Quando erramos, tropeçamos, temos a consciência de que não agimos bem e, mesmo que não se transforme em lágrimas abundantes, o remorso vem e nos corrói a partir de dentro. Dói!
No entanto, a dor e o arrependimento não fizeram Pedro desistir da missão. Ao contrário, deram a ele forças para que levasse adiante o legado de Cristo, com entusiasmo decisão e coragem. Mesmo levando consigo a consciência de seus erros e limitações, São Pedro foi um excelente líder, um grande animador da comunidade, tudo por conta de seu amor a Cristo. Por isso é considerado o Primeiro Papa e o nosso atual Papa Francisco é chamado de seu sucessor.
Assim também devemos ser… Nossos erros não nos devem tirar a alegria de viver, mas podem nos conduzir ao caminho da conversão, da mudança sempre para melhor. A consciência de nossas fragilidades nos confere mais segurança ao caminhar pois, se conhecemos as pedras nas quais podemos tropeçar, temos maiores condições para desviar delas e nossa chance de cair vai diminuído. Agora, se resolvermos parar à beira do caminho só porque tropeçamos, não vamos chegar a lugar algum e nos vai restar um grande vazio travestido de ressentimento que será capaz até de tirar o nosso sono: “Mas por que eu não fiz? Por que não arrisquei? Eu deveria ter tentado!”
Este é o grande apelo de Pedro, pedra, que nos chama à conversão. É o grande desafio que ele nos apresenta neste primeiro dia deste tríduo: o de termos a humildade e a coragem necessárias para levantar, bater a poeira, cuidar das feridas e seguir em frente. Vamos aprender com ele a caminhar com a cabeça erguida, não pelo orgulho ou pela vaidade, mas pela vontade firme de chegar até o fim.
Tomemos consciência do amor infinito com o qual Deus nos ama, dos lindos sonhos que o Pai cultiva a nosso respeito. Que as palavras o Livro do Deuteronômio, proclamadas na primeira leitura desta Missa, ressoem e fiquem gravadas em nossa mente e em nosso coração: “Reconhece, pois, e grava no coração, que o Senhor é o Deus lá em cima no céu e cá embaixo na terra, e que não há outro além dele. Guarda suas leis e seus mandamentos que hoje te prescrevo, para que sejas feliz, tu e teus filhos depois de ti, e viva longos anos sobre a terra que o Senhor, teu Deus, te dará para sempre”. Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!