O vírus ebola, por exemplo, matou, desde 1976, quando foi identificada, até hoje, mais de 11 mil pessoas, a grande maioria concentrada em países africanos. Toda pessoa que morre é uma grande perda e esse número não deixa de ser grande, mas fica pequeno quando comparado com a letalidade da gripo espanhola, que entre 1918 e 1919 matou cerca de 50 a 100 milhões de pessoas em todo o globo – enquanto a Primeira Guerra Mundial, entre 1914 e 1918, matou aproximadamente 8 milhões de pessoas. Sob esse ângulo, portanto, os cuidados das agências de saúde e de toda a população com novos vírus são mais que justificáveis.
Por outro lado, existe um alarmismo irracional nesse medo. O sarampo, por exemplo, em 2018, vitimou 142 mil pessoas (mais de 11 mil por mês, em média), enquanto o Covid-19 matou, nos últimos dois meses, pouco mais de 3 mil pessoas. Então porque as escolas não são fechadas com medo do sarampo, as bolsas não caem, nem os eventos públicos são cancelados? Em parte, porque as populações afetadas estão principalmente nos países pobres e em bolsões de pobreza, mas principalmente porque já conhecemos o sarampo, sabemos como lidar com ele, não tememos uma explosão pandêmica inesperada, como temos em relação ao Covid-19. Um temor em parte racional, como vimos acima, mas por outra parte totalmente irracional.
A confiança contra o pânico
Temer o desconhecido é um instinto necessário à sobrevivência das espécies, inclusive da nossa. Uma criança temerosa tem muito menos chance de se acidentar que uma outra arrojada. Mas, por outro lado, um adulto apavorado tem muito menos chance de fazer escolhas adequadas que um outro sereno. Por isso, o medo irracional e instintivo deve amadurecer, em nosso desenvolvimento, para se tornar uma prudência responsável e racional, que avalia as situações e evita riscos desnecessários.
Aleteia já relembrou, a respeito da atual epidemia de coronavírus, as exortações do Papa Francisco para que não sejamos dominados pelo medo, em qualquer situação. Podemos também relembrar a exclamação de São João Paulo II, no início de seu pontificado: “Não tenhais medo de acolher Cristo e de aceitar o Seu poder!”. Medo de acolher a Cristo? Mas nosso medo é das pandemias… Na verdade, para o cristão, todos os medos são uma consequência de não nos entregarmos totalmente a Cristo. A pessoa de fé reconhece os perigos, procura precaver-se e evitá-los, mas não se deixa dominar por eles. Quem vive com medo das coisas tem, no fundo, medo de se entregar a Cristo, de fazer a experiência de que Ele pode nos salvar, ainda que de forma impensável para nós.
Por isso, a forma pela qual enfrentamos a ameaça do Covid-19, ou qualquer outra possível pandemia dos nossos tempos, é um indicador (não o único, evidentemente) do quanto a nossa fé ultrapassa os limites das celebrações e dos gestos religiosos, para se tornar realmente um critério de orientação diante dos desafios da vida. Nessa perspectiva, nossa capacidade de lidar com situações como essa, da atual crise do coronavírus implica em:
- Serenidade diante dos muitos desafios e ameaças da vida, que – para o cristão – nasce da confiança no amor e na providência divinas, que nos permite reconhecer os perigos, sem nos deixar definir por eles.
- Estar bem informado sobre o que está acontecendo, evitando fake news e procurando sempre as indicações de especialistas e dos órgãos de saúde. Esta é a forma de praticar o realismo cristão nesse momento.
- Atitudes responsáveis e condizentes com a gravidade da situação, sem alarmismos, mas também evitando riscos desnecessários.