Festa dos Estigmas de São Francisco de Assis
Caríssimos irmãos e irmãs,
Que o Senhor vos dê a paz e todo o bem!
A Família Franciscana, neste mês de setembro, volta o seu olhar ao Monte Alverne, também conhecido por “Calvário Franciscano”, lugar geográfico e espiritual onde o Seráfico Pai São Francisco, “dois anos antes de sua morte” (1Cel 94), após intenso itinerário na busca da conformidade com Cristo, chegou “ao cume da perfeição do Evangelho” (LM 13,10), quando foram impressas “em suas mãos e pés os sinais dos cravos, iguais em tudo ao que antes havia visto na imagem do serafim crucificado” (LM 13,3).
Sabemos o quanto o mistério da Cruz foi decisivo e marcou a totalidade da vida de São Francisco de Assis. A emblemática cruz do sonho de Espoleto (LM 1,3), que no Crucificado de São Damião (2Cel 10; LTC 13; LM 1,5) adquire um rosto definido, transforma-se em mandato da Palavra do Senhor após compreender o Evangelho na igreja da Porciúncula (1Cel 22). Por isso, a Estigmatização de São Francisco de Assis no Monte Alverne não pode ser considerada como fato isolado e/ou extraordinário, ou reduzido tão somente à festa da Exaltação da Santa Cruz em setembro de 1224. A contemplação da presença de São Francisco no Monte Alverne para a quaresma de São Miguel, dentro da qual ocorre a estigmatização, deve ser compreendida a partir da lógica do Evangelho do seguimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, princípio da vida e da vocação franciscana: “Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me” (cf. AP 11; LM 3,3).
Entre todos os biógrafos de São Francisco, certamente São Boaventura, que, no Monte Alverne “descobriu o caminho da ascese contemplativa partindo deste cume atingido por Francisco” (DF 222), é o que melhor sintetiza a presença da Cruz no itinerário espiritual de São Francisco. Na Legenda Maior, após apresentar as diferentes manifestações da Cruz na vida do amante de Cristo e servindo-se da simbologia dos números, escreve: “Sete vezes, portanto, a cruz de Cristo aparece aos teus olhos ou é revelada em tua pessoa aos olhos dos teus companheiros. As seis primeiras eram como degraus para chegares à sétima na qual repousastes. Essa cruz de Cristo, efetivamente, te foi proposta no início da tua conversão e a aceitaste. Levaste-a continuamente em seguida durante tua vida de perfeição e deste dela um exemplo para os outros. E agora ela nos mostra com tal evidência tua chegada ao cume da perfeição do Evangelho” (LM 13,10).
Francisco de Assis, ao deixar-se interrogar pelo Senhor que fala no Evangelho e que “reina a partir do lenho da cruz” (OfP VII,9), traçou para si e os seus companheiros um itinerário que, à semelhança de Clara de Assis, tem seu princípio na pobreza, seu meio na humildade e seu ponto culminante na caridade do Espelho Jesus Cristo. No abraçar a totalidade da cruz do Senhor, Francisco compreendeu que ela representa tanto a dor Daquele que assumiu as nossas dores e misérias, como também a humanidade amada até as últimas consequências.
São Boaventura descreve que essa mútua contemplação do amante (Francisco) e do Amado (Serafim Crucificado) que, num único olhar de amor e de dor que se entrecruza no Monte Alverne, os une “tanto pelo martírio corporal quanto pelas chamas de amor” (LM 13, 3). A belíssima oração que encontramos na 3ª Consideração dos Sacrossantos Estigmas expressa essa verdade da fusão do amor e da dor, qual parto existencial, que gera vida. Por isso é colocada na boca de São Francisco esta oração: “Ó Senhor Jesus Cristo, duas graças te peço que me faças antes que eu morra: a primeira é que em vida eu sinta na alma e no corpo, quanto for possível, aquelas dores que tu, doce Jesus, suportaste na hora da tua dolorida paixão; a segunda é que eu sinta no meu coração, quanto for possível, aquele excessivo amor do qual tu, Filho de Deus, estavas inflamado para voluntariamente suportar tal paixão por nós pecadores”.
A cruz do Senhor, repleta de amor e dor, com a qual Francisco de Assis fez o seu itinerário e que permitiu que estes sinais visíveis do amor e da dor lhe perpassassem o coração (chagas), o transformou no “valente soldado de Cristo” a empunhar o “estandarte do Rei altíssimo” (LM 13,9). Por isso, assim transfigurado e estigmatizado, o “angélico Francisco” também desce do Monte Alverne com o encargo de oferecer ao mundo a “tríplice via” (LM 13,7) aos corações feridos e sedentos de amor, bem como um clamor de trégua à Mãe-Terra que geme de dor, na expectativa de ser cuidada e amada:
o caminho da purificação, com o poder de curar todas as feridas causadas pelo orgulho, ganância, prepotência e autossuficiência;
o caminho da iluminação para clarear todas as obscuridades e inverdades existenciais que cegam a alma e petrificam o coração e que nos tornam indiferentes aos grandes valores de tudo aquilo que “Deus viu que era bom”;
o caminho da união, cujo amor aquece e unifica os corações, hoje tão divididos e machucados pelas injustiças sociais e pela globalização da indiferença, bem como o frívolo mercantilismo doentio que apenas favorece alguns pares.
Também nos nossos dias a súplica de São João Paulo II, proclamada no dia 17 de setembro de 1983 no Monte Alverne, justamente na capela dos Estigmas de São Francisco, continua a ser clamor da humanidade. Uma humanidade mais chagada pela dor do que contemplada no amor:
Ó São Francisco, estigmatizado do Monte Alverne,
o mundo tem saudades de ti como imagem de Jesus Crucificado.
Tem necessidade do teu coração aberto para Deus e para o homem,
dos teus pés descalços e feridos,
das tuas mãos traspassadas e implorantes.
Tem saudades da tua voz fraca, mas forte pelo Evangelho.
Ajuda, Francisco, os homens de hoje a reconhecerem o mal do pecado
e a procurarem a purificação da penitência.
Ajuda-os a libertarem-se das próprias estruturas de pecado,
que oprimem a sociedade hodierna.
Reaviva na consciência dos governantes
a urgência da paz nas Nações e entre os povos.
Infunde nos jovens o teu vigor de vida,
capaz de fazer frente às insídias das múltiplas culturas de morte.
Aos ofendidos por toda espécie de maldade,
comunica, Francisco, a tua alegria de saber perdoar.
A todos os crucificados pelo sofrimento, pela fome e pela guerra,
reabre as portas da esperança. Amém.
Que o Senhor nos abençoe e nos guarde no seu amor!Frei Fidêncio Vanboemmel, OFM
MINISTRO PROVINCIAL
Fonte: Franciscanos
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