É a hora do testemunho verdadeiro
Moacir Beggo
Gaspar (SC) – Foi este o convite que fez o Definidor da Província Franciscana da Imaculada Conceição, Frei Evaristo Spengler, ao refletir sobre o tema “a Igreja em saída” no segundo dia do Tríduo preparatório para a Festa de São Pedro Apóstolo da Paróquia de Gaspar (SC).
No início da Missa, Frei Evaristo agradeceu as comunidades e grupos responsáveis pela celebração e recordou que o tema é muito caro ao nosso querido Papa Francisco. Mas lembrou que o ‘dinamismo da saída’ perpassa toda a história bíblica porque Deus provoca as pessoas para se desinstalarem e irem em missão. “Não só na Bíblia, mas durante toda a história da Igreja, Deus chama e Deus envia pessoas”, observou o frade, citando Abraão, Moisés, Jeremias e o convite de Jesus aos discípulos: ‘Ide, pois, e fazei discípulos meus todos os povos’.
“Quem não se lembra daquele momento em que Francisco de Assis, na capelinha de São Damião e diante do Crucifixo, ouve a voz Jesus que lhe fala: Francisco, vai e restaura a minha Igreja que está em ruínas’. Ele não se referia à igreja material mas à Igreja povo de Deus”, disse o pregador, enfatizando que o Papa pede uma Igreja que saia em direção aos outros para chegar às periferias humanas, uma igreja que ouve, acolhe, que acompanha quem ficou caído à beira do caminho, uma Igreja que imita o Filho Pródigo, uma Igreja como o pai do Filho Pródigo que fica continuamente com as portas abertas para que, quando seu filho voltar, possa entrar sem nenhuma dificuldade.
Neste contexto, Frei Evaristo escolheu três pontos para refletir: 1º) O contexto de nossas famílias hoje, cujos filhos já não são mais iniciados na fé cristã, na fé católica; 2º) um novo contexto social, com tantas migrações, pessoas que chegam dos mais diversos lugares; 3º) as periferias existenciais como fala o Papa.
“O primeiro aspecto que quero abordar é a transmissão da fé aos nossos filhos, falando especificamente do nosso município de Gaspar. Talvez as ‘pessoas com cabelos brancos’ se recordem que, no passado, a grande maioria das famílias deste município era católica. Frequentava assiduamente a Missa, participava das novenas, dos terços. Perguntem aos mais velhos como o município inteiro se mobilizou para construir essa igreja junto com Frei Godofredo. Alguém da família, um avô ou um tio, deve ter ido atrás de madeiras nas matas para fazer os andaimes. Os bairros se revezavam em mutirões para isso. Então, todo o nosso município, de fato, tem uma expressão muito grande de fé e de participação na Igreja. Hoje, no entanto, parece que os pais têm uma grande dificuldade de transmitir a fé para os filhos. Nesse mundo globalizado da comunicação, da internet, da televisão, a voz dos pais é mais uma entre tantas. A voz da Igreja é uma voz que parece que fica como um caniço no deserto, como diz a expressão bíblica. Mas voltando àquela época, não sem dificuldades, aquelas pessoas se engajavam, participavam. A distância era maior naquela época, as pessoas não tinham carros como hoje. Os meios de transporte eram inexistentes, bem diferente do que é hoje. As pessoas vinham de carroça, charrete, a pé, a cavalo, e estavam aqui todos os domingos, família inteira, participando das celebrações. Então, nosso contexto era totalmente católico, onde os filhos aprendiam a fé católica por imersão, porque estavam com a família”, observou.
Mas, segundo o frade franciscano, essa dificuldade de transmitir a fé aos filhos está mais forte num mundo onde ser Igreja, ter uma religião, é, de fato, uma necessidade e responde ao interesse pessoal. “Deixou de ser um compromisso diário com Deus. A religião, às vezes, se torna muito frágil e a Igreja é tratada como um departamento, um banco, um supermercado. É uma necessidade e não uma adesão de fé. E nisso está um desafio que o Papa nos chama a atenção e que envolve a todos nós como Igreja. Alguns podem pensar que isso seja um problema sério demais, mas eu penso que aqui existe uma potencialidade, uma saída, porque as pessoas estão diante de uma decisão. Cada um decide se vai ser católico ou não, se vai ser cristão ou não. Então, rompe-se com o tempo de uma tradição e agora passa a valer a decisão pessoal. E aí é que entra fortemente o testemunho. Um testemunho verdadeiro, porque se falta o testemunho, talvez caiamos naquilo que Jesus diz: nem quente nem frio”, explicou.
O segundo aspecto, segundo Frei Evaristo, é a mudança social, a mudança populacional, que mexe com as migrações e criam novos bairros nas cidades. “E como é que nós, como Igreja, estamos lá presente acolhendo os que chegam? Não digo ir lá para ensinar, para impor, mas para estar junto e ser uma presença viva no meio deles. Nos últimos anos começaram a chegar em nossa região muitos haitianos em busca de oportunidades de trabalho. Como Igreja, nós já somos uma presença entre eles? O Papa pede uma Igreja em saída, que não espera que aquela pessoa venha mas que saia para encontrar aquele que precisa da nossa presença, do nosso testemunho. Igreja em saída, diz o Papa, é não permanecer numa pastoral de manutenção e não percebemos os novos desafios que a história nos impõe”, alertou.
Por último, falou das periferias existenciais, uma expressão que o Papa gosta muito. “Onde estão essas periferias? Não estão lá longe, fora da cidade, mas essas periferias podem estar muito perto de nós. O Papa se refere àqueles que estão excluídos por muitos motivos, seja ele social, econômico ou familiar. Por exemplo, quando um idoso precisa de atenção e foi esquecido pelos próprios filhos. A periferia existencial pode ser aquele doente que não é mais visitado, um portador de HIV, um prisioneiro que foi abandonado”, exemplificou, recomendando: “O Papa nos pede para não passarmos pelo caminho de forma apressada e nem perceber aquele que está do nosso lado, que precisa de um olhar, uma palavra, um gesto e um carinho”.
Na sua conclusão Frei Evaristo foi contundente: “Penso que a Igreja Católica não será mais maioria em nosso país. Alguns ficam atônitos: como enfrentar essa situação? O Papa Francisco diz que quando nós somos minoria temos aí uma oportunidade para sermos melhores cristãos, mais convictos, que acreditam naquilo que fazem, falam, testemunham Deus e sabem o valor de Deus na sua própria vida e de sua família. É importante recordarmos que na nossa história cristã, nascemos como um pequeno fermento. No início era um pequeno grupo de cristãos que, com o tempo, tornou-se uma massa. Mas quem sabe aquele fermento vigoroso inicial deixou de produzir a sua força e, agora que estamos deixando de ser massa, não é hora de retomarmos a força do fermento no mundo em que vivemos? É a hora do testemunho verdadeiro. De viver e anunciar os valores. Quais são os grandes valores cristãos? A solidariedade, a partilha, a união, a fé, a esperança. Um grande santo da Igreja Católica dizia que os cristãos deveriam ser para o mundo como a alma para o corpo. A alma é aquilo que dá a vida, produz esperança, que dá sentido ao caminhar. Esse é nosso desafio: sermos alma, transmitir valores, sermos fermento no mundo em que vivemos”, exortou.
“Que São Pedro, que embarcou na barca de Jesus, nos leve com a sua barca mundo afora e onde nós vivemos para anunciar, viver e testemunhar esse Jesus que é vivo e verdadeiro em nosso meio. Que assim seja!” , terminou a pregação do segundo dia.
Neste sábado, terceiro e último dia do Tríduo, Frei Evaristo vai refletir sobre o tema: “Todos somos discípulos missionários” na Missa das 19 horas. Antes, às 16 horas, ele preside também a Missa da Catequese.
Imagens do segundo dia do Tríduo