Papa Bento XVI fala sobre o Ano da Fé
Queridos irmãos e irmãs,
Continuamos avançando neste Ano da Fé carregando no coração a esperança de redescobrir a grande alegria que existe no ato de acreditar, bem como a esperança de reencontrar o entusiasmo para comunicar a todos as verdades da fé. Verdades que não são uma simples mensagem sobre Deus, uma informação a seu respeito. Verdades que expressam o evento do encontro de Deus com os homens, encontro salvífico e libertador, que realiza as aspirações mais profundas do homem, o seu anseio de paz, fraternidade e amor.
A fé nos leva a descobrir que o encontro com Deus melhora, aperfeiçoa e eleva o que há de verdadeiro, de bom e de belo no homem. Acontece, portanto, que, enquanto Deus se revela e se deixa conhecer, o homem vem a saber quem é Deus e, conhecendo-o, descobre a si mesmo, a sua origem, seu destino, a grandeza e a dignidade da vida humana.
A fé permite um conhecimento autêntico de Deus, que envolve toda a pessoa: é um saber no sentido latino de “sàpere” [degustar], um conhecimento que dá “sabor” à vida, um novo sabor de existir, uma maneira alegre de estar no mundo. A fé se exprime no dom de si mesmo aos outros, na fraternidade que nos torna solidários, capazes de amar, vencedores da solidão que nos deixa tristes.
Esse conhecimento de Deus através da fé não é, portanto, só intelectual, mas vital.
É o conhecimento do Deus-Amor, graças ao seu próprio amor. O amor de Deus nos mostra, nos abre os olhos, nos permite conhecer toda a realidade, indo além das perspectivas estreitas do individualismo e do subjetivismo, que desorientam as consciências. O conhecimento de Deus é uma experiência de fé, que implica, ao mesmo tempo, um caminho intelectual e moral: profundamente tocados pela presença do Espírito de Jesus em nós, superamos os horizontes do nosso egoísmo e nos abrimos para os verdadeiros valores da existência.
Hoje, nesta catequese, quero focar na razoabilidade da fé em Deus.
A tradição católica, desde o início, rejeitou o assim chamado “fideísmo”, que é a vontade de acreditar contra a razão. Credo quia absurdum (creio porque é absurdo) não é a fórmula que interpreta a fé católica. Deus não é um absurdo: em todo caso, é um mistério. O mistério, por sua vez, não é irracional: ele é um excesso de sentido, de significado, de verdade. Se, ao olhar para o mistério, a razão vê o escuro, não é porque não haja luz no mistério, mas sim porque há luz demais. Assim como, quando os olhos de um homem se dirigem diretamente para o sol, eles veem apenas escuridão. Mas quem diria que o sol não é brilhante? Quem diria que ele não é a fonte da luz? A fé nos permite olhar para o “sol”, Deus, porque é o acolhimento da sua revelação na história e, por assim dizer, recebe realmente todo o brilho do mistério de Deus, reconhecendo o grande milagre: Deus veio até o homem, se ofereceu ao seu conhecimento, condescendendo à limitação natural da razão humana (cf. Concílio Vaticano II, Constituição dogmática Dei Verbum, 13).
Ao mesmo tempo, com a sua graça, Deus ilumina a razão, lhe abre novos horizontes, imensuráveis e infinitos. A fé, por isto, é um forte incentivo para buscarmos sempre, para nunca pararmos nem nos acomodarmos na busca incansável da verdade e da realidade. É vão o preconceito de alguns pensadores modernos, que afirmam que a razão humana seria bloqueada pelos dogmas de fé. É exatamente o oposto, como os grandes mestres da tradição católica mostraram. Santo Agostinho, antes da sua conversão, procura pela verdade com grande inquietação, através de todas as filosofias disponíveis, achando todas insatisfatórias. Sua meticulosa procura racional é para ele uma pedagogia significativa para o encontro com a Verdade de Cristo. Quando ele diz “compreende para crer e crê para compreender” (Discurso 43, 9: PL 38, 258), é como se estivesse contando a sua própria experiência de vida. Intelecto e fé, diante da revelação divina, não são estranhos nem antagonistas; são, ambos, condições para compreendermos o seu significado, para recebermos a autêntica mensagem, aproximando-nos do limiar do mistério.
Santo Agostinho, junto com muitos outros autores cristãos, é testemunha de uma fé que se exercita com a razão, que pensa e convida a pensar. Neste caminho, Santo Anselmo dirá em seu Proslogion que a fé católica é fides quaerens intellectum, e que a busca da inteligência é um ato interior do acreditar. Será especialmente São Tomás de Aquino quem lidará com a razão dos filósofos, mostrando a força fecunda e nova da vitalidade racional que inunda o pensamento humano a partir dos princípios e das verdades da fé cristã.
A fé católica é razoável e tem confiança na razão humana. O concílio Vaticano I, na constituição dogmática Dei Filius, disse que a razão é capaz de conhecer com certeza a existência de Deus através da criação, e que apenas a fé tem a oportunidade de conhecer “facilmente, com certeza absoluta e sem erro “(DS 3005) as verdades sobre Deus, à luz da graça. O conhecimento da fé, ainda, não é contrário à razão. O beato papa João Paulo II, na encíclica Fides et ratio, resume: “A razão humana não é anulada nem humilhada quando presta assentimento aos conteúdos de fé, que são, em qualquer caso, alcançados por livre e consciente escolha” (número 43).
No irresistível desejo da verdade, só a relação harmoniosa entre a fé e a razão é o caminho certo que conduz a Deus e à realização de si mesmo.
Esta doutrina é facilmente reconhecível em todo o Novo Testamento. São Paulo, escrevendo aos coríntios, sustenta: “Enquanto os judeus pedem sinais e os gregos buscam a sabedoria, nós pregamos o Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios” (1Cor 1,22-23).
Deus, de fato, salvou o mundo não por um ato de poder, mas através da humilhação do seu Filho único: de acordo com os padrões humanos, o modo incomum escolhido por Deus contradiz as exigências da sabedoria grega. No entanto, a cruz de Cristo tem sua razão, que São Paulo chama de logos tou staurou, a palavra da cruz (1 Co 1,18). Aqui, o termo logos indica tanto a palavra quanto a razão, e, se alude à palavra, é porque expressa verbalmente processos que a razão elabora. Paulo, assim, vê na cruz não um evento irracional, mas um fato da salvação, que tem uma racionalidade própria, reconhecível à luz da fé. Ao mesmo tempo, ele tem tanta confiança na razão humana que se maravilha de que muitos, mesmo vendo as obras realizadas por Deus, se obstinem em não acreditar nele. Diz ele em sua carta aos romanos: “Os atributos invisíveis [de Deus], ou seja, o seu eterno poder e a sua natureza divina, são contemplados e compreendidos na criação do mundo através das obras das suas mãos” (1,20).
Também São Pedro exorta os cristãos da diáspora para adorarem “o Cristo Senhor em vossos corações, sempre prontos a responder a todo aquele que vos pedir razões da esperança que habita em vós” (1 Pe 3,15). Em um clima de perseguição e de forte necessidade de testemunhar a fé, os crentes são convidados a justificar a sua adesão à palavra do evangelho, a dar razão da sua esperança.
É nesse terreno, de ligação frutuosa entre o compreender e o acreditar, que está enraizada ainda a relação virtuosa entre ciência e fé. A pesquisa científica leva ao conhecimento de verdades sempre novas sobre o homem e sobre o cosmos, conforme sabemos. O verdadeiro bem da humanidade, que é acessível pela fé, abre o horizonte para a sua jornada de descoberta. Devem ser incentivadas, portanto, as pesquisas a serviço da vida, que visam erradicar a doença. Também são importantes as investigações sobre os segredos do nosso planeta e do universo, na consciência de que o homem é a coroa da criação, não com o fim de explorá-la insensatamente, mas de preservá-la e torná-la habitável.
Assim, vivida na verdade, a fé não entra em conflito com a ciência, mas coopera com ela, oferecendo critérios básicos para que ela promova o bem de todos, e lhe pede renunciar apenas às tentativas que, em oposição ao plano original de Deus, podem produzir efeitos que se voltam contra o próprio homem. Por isso mesmo, é razoável acreditar: se a ciência é uma aliada valiosa para a compreensão do plano de Deus no universo, a fé permite que o progresso científico aconteça sempre em prol do bem e da verdade do homem, permanecendo fiel a esse mesmo plano.
É por isso que é crucial para as pessoas abrir-se à fé e conhecer a Deus e o seu plano de salvação em Jesus Cristo. O evangelho inaugura um novo humanismo, uma autêntica “gramática” do homem e de toda a realidade. O Catecismo da Igreja Católica afirma: “A verdade de Deus e a sua sabedoria sustentam a ordem da criação e do governo do mundo. Deus, o único que “fez o céu e a terra” (Sl 115,15), pode dar, somente ele, o verdadeiro conhecimento de cada coisa criada na relação com ele” (número 216).
Esperamos, portanto, que o nosso compromisso na evangelização ajude a dar nova centralidade ao evangelho na vida de muitos homens e mulheres do nosso tempo. E oramos para que todos reencontrem em Cristo o sentido da vida e o fundamento da verdadeira liberdade: sem Deus, o homem se perde. Os testemunhos daqueles que vieram antes de nós e que dedicaram a vida ao evangelho o confirma para sempre. É razoável acreditar, pois o que está em jogo é a nossa existência. Vale a pena nos desgastarmos por Cristo. Só ele satisfaz os desejos de verdade e de bem enraizados na alma de cada homem: agora, no tempo que passa, e no dia sem fim da eternidade bem-aventurada.
Papa Bento XVI