O milagre da multiplicação
Moacir Beggo
Gaspar (SC) – A festa do Padroeiro de Gaspar, São Pedro Apóstolo, mantém uma tradição que dura 162 anos e revela uma característica própria do evento: é tempo de unidade na paróquia. Todos os movimentos, pastorais, ministérios, colaboradores, voluntários, grupos e comunidades se unem para realizar o milagre da multiplicação. Enquanto as equipes começam a pôr a mão na massa, literalmente, as doações chegam em grandes ou pequenas quantidades para encherem a mesa da partilha.
“É emocionante você ver uma família doar dúzias e dúzias de ovos e uma pessoa trazer alguns ovos. Mas todos querem participar da festa, nem que seja com o pouco que têm. Como a viúva da parábola”, lembra Dona Lídia Mônica Nagel, uma das coordenadoras da cozinha.
Para o pároco Frei Germano Guesser, mais do que arrecadar dinheiro, a festa cumpre o seu papel de ser uma grande confraternização entre os paroquianos. “É bonito ver essa comunhão da Igreja. Todos partilham um pouco do que têm. Eles fazem as doações dos alimentos e depois vêm participar dos eventos”, diz Frei Germano, destacando a presença de Benedito Aleixo Schmitt, que, aos 90 anos, participa ativamente de todas as festas.
“Nuti”, como é conhecido o sr. Benedito, ficou encarregado, junto com José Leopoldo Schmitt, de receber as prendas. “Já perdi a conta do tempo que participo da festa”, diz Benedito, que antes de ficar nas prendas vendia as rifas nas escadarias da igreja. Pelos cálculos de José Leopoldo, nesta quarta-feira (27/6), poucos mantimentos faltariam para cobrir todas as necessidades da festa. “Está faltando uns 250 kg de coxa e sobrecoxa de franco para os pastéis”, acredita o Sr.José, que contabilizava na sua prancheta 570 kg de trigo; 148 litros de leite; 220 kg de coxa e sobrecoxa; 20 kg de filé de frango, 220 kg de peito de franco, 100 kg de arroz, 7 garrafões de 5 litros de pinga para o quentão, 165 litros de óleo, 22 vidros grandes de palmitos, 14 latões de gordura vegetal, além de sal, açúçar e outros itens. Se não chegarem as doações que faltam, será a única compra da festa.
Para Alfonso Rodolfo Pamplona e Elza de Souza (foto ao lado), hoje era dia de entregar as prendas. “É um presente para São Pedro. Hoje não somos mais festeiros mas mantemos a tradição com uma filha e uma neta”, diz Elza. Alfonso fala com orgulho da sua participação de 16 anos na Banda de São Pedro. “O coreto foi inaugurado no meu tempo”, observa.
Segundo Dona Lídia, nesta quarta-feira, foram vendidos 838 tíquetes para a macarronada, com os molhos A Bolonhesa, Matriciana, Al Pesto e A Carbonara, além de muitas saladas. Para preparar essa quantidade de pratos, Dona Lídia contou com uma equipe seis pessoas desde o início da semana. “Primeiro preparamos a massa e nesta quarta-feira foram feitos os molhos, que é preparado pela equipe da comunidade de Gasparzinho”, explicou Dona Lídia, que não para um segundo num só lugar. À noite, para dar conta de servir o buffet, várias equipes entraram em ação. Detalhe: com apenas R$ 12,00, podia se servir à vontade no buffet de macarronada.
Como não poderia deixar de ser, os integrantes do Circolo Trentino di Gasparin, descendentes de italianos, são especialistas em macarronada e a que fazem já é uma tradição na região. Além de ajudar nesta quarta-feira, o Circolo auxiliará na barraca do pastel, no sábado à noite.
Na quinta-feira, Dona Lídia (foto ao lado) terá outro desafio pela frente: o rodízio de sopas. E não pense que depois ela vai ficar tranquila. “Temos os pratos do buffet e a refeição para cerca de 500 pessoas que trabalham na festa”, acrescenta a coordenadora, que durante 23 anos trabalhou na residência dos frades como cozinheira. “Antes trabalhei mais cinco anos para o bispo diocesano de Lages”, emenda. Hoje, aposentada, ela participa ainda mais ativamente da Igreja, como terceira franciscana. “Esta é minha paróquia e aqui está a minha fraternidade”, referindo-se à Ordem Franciscana Secular (OFS) de Gaspar, onde é professa há 39 anos.
Quem também não fica atrás de Dona Lídia é Gertrudes Crescencia Spengler, a Tuti, irmã de Frei Evaristo Spengler. Ela está à frente da equipe que cuida da preparação dos pastéis, que nesta edição pode chegar a servir cerca de 15 mil pastéis. “Nosso recorde foi de 18 mil unidades”, diz Tuti, que acha difícil chegar a esse número: “Antigamente, o pastel era o prato principal. Hoje, temos a macarronada, sopa e o churrasco que são servidos ao mesmo tempo. Então, nunca vamos chegar a essa quantia”, diz, lembrando que serão oferecidos dois tipos de pastéis: de franco com palmito e de carne moída.
Tuti também é professa na Ordem Franciscana Secular e há 25 anos é encarregada da equipe de preparo do pastel. Ele teme pelo futuro da festa, já que as novas gerações não se interessam por esse trabalho voluntário.
“A maioria destas senhoras é de idosas e o que vai acontecer quando elas faltarem?”, pergunta Tuti. Hoje, muitas paróquias tiveram que terceirizar as festas. “Mas nunca é a mesma coisa. Aqui fazemos com carinho e muito cuidado todos os alimentos”, confessa Tuti (foto ao lado).
O milagre da multiplicação não fica só nos alimentos. José Bernardo Wiser, conhecido como Juca, é o responsável pela organização do Leilão do Gado da Festa. Mas seu trabalho começa bem antes, quando pega uma lista de possíveis doadores e, junto com Frei José Bertoldi e mais um ajudante, sai de casa em casa para conseguir a prenda. Neste ano, conseguiu 20 animais para o evento, que serão recolhidos no dia 31 para o leilão no dia do Padroeiro.
No livro “158 anos, nas malhas da história”, o autor Frei Elzeário Schmitt diz que a primeira missa celebrada na igrejinha da freguesia de Gaspar aconteceu no dia 29 de junho de 1850, quando esse pequeno templo ainda ficava na margem esquerda do rio Itajaí-Açu. Portanto, há 162 anos acontece esse milagre da partilha em Gaspar.
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