O estilo missionário da Diocese de Blumenau
Por Moacir Beggo
Menos de três anos à frente da Diocese de Blumenau, Dom José Negri conquistou o seu rebanho. A mesma receptividade e carinho que teve quando chegou da Itália como missionário do PIME (Pontifício Instituto das Missões), Dom José retribui hoje ao seu povo. Como ele diz, nesta entrevista, seu estilo pastoralista já é uma marca da nova Diocese de Blumenau. O povo já percebeu isso e pede a sua presença nas comunidades. Na medida do possível, ele não deixa de ir ao encontro das pessoas, fiel ao primeiro chamado para ser missionário quando ingressou no PIME em 1980 e fiel à nova ação evangelizadora da Igreja do Brasil segundo o Documento de Aparecida.
Natural de Milão, onde cresceu e fez toda a formação religiosa, Dom José veio para o Brasil como missionário logo após a sua ordenação presbiteral em 7 de junho de 1986.
Trabalhou mais na formação religiosa do PIME, mas não deixou de ter um contato direto com o povo quando foi pároco. Foi nomeado bispo auxiliar para a Arquidiocese de Florianópolis e ordenado no dia 5 de março de 2006, em Brusque (SC), tendo como seu lema “Sufficit tibi gratia” (Basta-te a minha graça). Em fevereiro de 2009 foi nomeado bispo para a Diocese de Blumenau, onde tomou posse no dia 4 de abril de 2009.
É formado em Psicologia e conseguiu a Licenciatura na Universidade Gregoriana de Roma, Itália (1995-1999). Para ajudar no seu apostolado, especialmente os jovens crismandos, publicou recentemente o livro “Os jovens perguntam”, abordando temas que hoje estão meio esquecidos relacionados à sexualidade. Em 2007 publicou também o livro “Direção Espiritual e Colóquios de Crescimento Vocacional”.
Nesta entrevista ao novo site da Paróquia São Pedro Apóstolo de Gaspar, Dom José fala de seu trabalho missionário na jovem Diocese de Blumenau, criada por João Paulo II, no dia 19 de abril de 2000. Acompanhe!
Site – Recém-ordenado presbítero, o Sr. Chegou ao Brasil em 1987 como missionário do PIME (Pontifício Instituto das Missões). Como foi o seu primeiro contato com o povo brasileiro?
Dom José Negri – Meu primeiro destino foi Florianópolis para estudar a língua portuguesa. Só depois desta fase é que fui para Frutal, em Minas Gerais. Posso dizer que o contato na chegada foi muito bom. Me senti logo amado pelo nosso povo. Não esqueço da primeira missa que rezei numa paróquia onde trabalhamos, que foi a primeira paróquia que o PIME assumiu em Santa Catarina e onde fui o primeiro pároco. Disse que era italiano e depois da missa tinha uma fila para me cumprimentar e desejar boas vindas. Logo conheci um povo carinhoso e amoroso, que é assim com qualquer um, mas ainda mais com quem havia deixado a sua terra e o seu povo. De fato, era uma época muito difícil: você não se sente de ninguém. Acabou de deixar a sua terra, mas também ainda não faz parte da terra prometida, como se diz. Então, confesso, me senti um pouco abalado. Mas o carinho do povo, a acolhida, o afeto e o amor foram muito importantes para logo me sentir em casa. São 25 anos no Brasil desde que fui ordenado em 1987.
Site – Mas o Sr. voltou à Itália, onde ficou três anos como reitor do Instituto de Teologia do PIME?
Dom Negri – Estudei quatro anos na Gregoriana, onde me formei psicólogo e depois fiquei mais três anos como formador. Então, foram sete anos entre Brasil e Itália. Mesmo assim, o meu amor pelo Brasil aumentou sempre mais, principalmente quando voltei. Trabalhei quase sempre na formação. Desde o seminário menor até a Teologia. Mas também os contatos que tive com as pastorais nas paróquias sempre me trouxeram algo de muito bom. Fui muito feliz trabalhando como pároco. Depois, como bispo, as coisas mudaram: a responsabilidade e os problemas aumentaram. Afinal, estamos falando de cuidar de uma diocese como Blumenau, com 600 mil habitantes, com 5 comarcas, 38 paróquias e duas áreas pastorais que vão ser criadas no mês de janeiro próximo. Hoje, vejo que também a vida do bispo é uma vocação. Eu sempre quis ser padre, nunca ser bispo. Então, essa vocação de bispo é uma coisa que vem depois e a gente tenta responder conforme a graça de Deus.
Site – E hoje, como vê o povo e a Igreja do Brasil?
Dom Negri – Acredito que a Igreja do Brasil atingiu um nível muito bom. Hoje, ela está focada na evangelização, o que me parece que estava faltando. Quando cheguei aqui, há 25 anos, não se ouvia falar de missão, mas só em alguns contextos ou círculos. Depois do Documento de Aparecida, que veio da Conferência Latino-americana e do Caribe, acredito que a Igreja realmente está no rumo certo. Confirmação disso é o Conselho da Nova evangelização que o Papa criou. Hoje, ou a Igreja é missionária ou deixa de ser Igreja. O nosso trabalho tem de ser missionário ou vamos perder o nosso rebanho.
Site – Afinal, a Igreja, na sua origem, é missionária?
Dom Negri – Claro, a Igreja nasceu missionária e não pode ser menos do que isso. É verdade que há muitos desafios, como, por exemplo, quando se fala das migrações de uma igreja para outra etc. Não me preocupo com isso. O fenômeno existe, mas não podemos exasperar o fato que a Igreja perca os católicos. Pelo menos em nossa Diocese, os nossos padres não se queixam disso. Pelo contrário, têm sempre muito trabalho. Graças a Deus! Há uma procura de evangelização, de formação de lideranças e tudo o mais. Nós, os bispos do Brasil, não estamos preocupados com aqueles que saem, mas com aqueles que deixam a Igreja Católica, passam para outras igrejas e hoje não são de nenhuma. Isso, sim, nos preocupa. Essa indiferença ao religioso é preocupante. Portanto, a Igreja missionária é o caminho desta nova realidade.
Site – O Sr. ingressou no seminário com 21 anos (em 1980). Como nasceu a sua vocação?
Dom Negri – Olha, realmente sempre tive a vocação. Minha mãe dizia que desde os 3 anos eu já imitava o padre celebrando uma Missa. No dia da minha ordenação sacerdotal, minha mãe me revelou um segredo. Quando estava para nascer, houve complicações no parto. Então, diante dessa dificuldade toda, minha mãe fez uma promessa – aliás, ela era muito devota de Santo Antônio – de me consagrar a Deus para que o filho nascesse bem. Ninguém ficou sabendo de sua promessa. Acho que Deus levou a sério essa promessa… (risos). Na minha vida toda, quando me perguntavam o que eu queria ser, dizia: padre! Sempre persegui esta vocação. A uma certa altura, na adolescência, enquanto as coisas não eram bem definidas, fiz uma experiência de namoro de dois anos. Mas depois vi que o meu coração queria uma família bem grande e, um dia, conversando com a minha namorada, por incrível que pareça, ela confessou que sentia também o chamado à vocação religiosa. Então, ela se tornou religiosa e eu missionário.
Site – E por que escolheu o PIME?
Dom Negri – PIME porque, já que queria consagrar a minha vida, queria que isso acontecesse de uma forma radical. Era jovem e tinha todo entusiasmo próprio de um jovem. Sentia uma inspiração para ir longe, como indica aquela palavra de Jesus: “Ide pelo mundo inteiro e pregai o Evangelho a toda a criatura”. Disse para o padre da minha comunidade que queria ser missionário e ele me falou que em Milão havia um Instituto voltado só para as Missões. O PIME nasceu em Milão em 1850. Ele me mostrou que havia outras congregações de missionários, mas o PIME era de Milão. Disse para ele: ‘para mim, tanto faz. Quero ser missionário!”. De fato, depois de 25 anos, estou aqui.
Site – O Sr. assumiu a Diocese de Blumenau em abril de 2009, há menos de 3 anos. Já deu para conhecer bem o seu rebanho?
Dom Negri – Sim, sobretudo depois que comecei as visitas pastorais. O primeiro ano foi de observação, onde procurei conhecer a realidade. Mas mesmo assim, visitei duas vezes todas as paróquias. A nossa Diocese é concentrada, sem grandes distâncias, e isso facilita. Então, no segundo ano, comecei as visitas pastorais, como em 2011, que fiz a Comarca de Gaspar. Todas as paróquias e comunidades foram visitadas. No ano que vem, já tenho toda a programação para a Comarca de Timbó, e nos próximos anos as comarcas mais próximas de Blumenau. Nesses três anos, fiz muitos contatos, seja através de crismas, de eventos, festas ou através de celebrações. Neste ano, dediquei-me inteiramente às visitas pastorais porque é a única oportunidade de o bispo ter um contato direto com o povo e conhecer bem de perto a sua realidade, especialmente as comunidades longínquas, que merecem mais a nossa atenção. É uma alegria enorme escutar do povo: “Olhe, o Sr. é o primeiro bispo que visita a nossa capela!”. Fico muito feliz de conhecer as pessoas e vejo que realmente o povo responde muito bem. Sou um pastoralista, não gosto de escritório ou do trabalho administrativo. Esse espírito missionário me ajuda a ir ao encontro das pessoas. Onde elas pedem a minha presença, na medida do possível, procuro contentá-las, porque o bispo tem que estar lá.
Site – Para quem não conhece bem, o que é uma visita pastoral? Como ela é feita?
Dom Negri – Visita pastoral é o encontro do bispo, do pastor, com o seu povo. Ela se realiza mediante uma programação de visitas feita com o pároco. Então, visita-se a Matriz, onde tem a abertura e o encerramento da visita e depois em todas as capelas é celebrada uma missa. E no começo, sobretudo, faz-se um encontro com todos os coordenadores dos conselhos pastorais, quando conhecemos os problemas maiores e os desafios, desde a estrutura física até às questões administrativas, litúrgicas e sacramentais. É o povo que traz para mim as suas angústias e alegrias. Eu sempre faço uma explanação do que é uma visita pastoral e abordamos pontos importantes, por exemplo, a comunhão dentro da Igreja, com o bispo e com o Papa. Depois, desenvolvemos os temas das Assembleias Diocesanas para cada ano. Por exemplo, em 2010 tivemos o Ano Eucarístico e a insistência da Eucaristia; dois anos atrás, escolhemos o Ano da Palavra. O pároco me alerta sobre os rumos daquela comunidade, os assuntos são discutidos entre as lideranças e o povo tem um tempo para fazer perguntas ao bispo. A gente sai cansadíssimo, mas feliz depois de conhecer diferentes realidades nas comunidades.
Site – Quais os principais desafios para o Sr. nesta Diocese?
Dom Negri – Vejo, antes de tudo, o desafio missionário. Com os anos – e já temos dez anos de caminhada – a gente percebe um pouco de cansaço, como se a máquina estivesse cansada de caminhar, caminhar, caminhar… Esse cansaço vem mais por parte das lideranças. Sinto que está faltando incentivo, animação, entusiasmo para com o nosso povo. Depois, um grande desafio hoje é o da família, que está sendo atacada por todos os lados. Depois da família, consequentemente, temos os jovens e a catequese das nossas crianças. E tudo está ligado à família. Se ela não funciona, tudo deixa de funcionar. Por isso, escolhemos o próximo triênio missionário para nossas assembleias diocesanas: 2012 será o Ano da Família; 2013, o Ano e Missão com os Jovens, coincidindo com o tema da Campanha da Fraternidade e da Jornada Mundial da Juventude; e 2014 será o Ano da Formação de Líderes.
Site – Como está a Diocese em termos de vocações? Há, como dizem, uma crise vocacional, especialmente nos institutos religiosos? Como reverter essa situação?
Dom Negri – Antes de tudo, sou religioso também e nós temos de começar a despertar vocações a partir do nosso carisma. Infelizmente, também as congregações sofrem um pouco da secularização. Nos acomodamos na nossa vida religiosa e o carisma ficou um pouco ofuscado. Dizem, por exemplo, que São Francisco é o melhor animador vocacional dos franciscanos. Ele já faz tudo. Talvez não estejamos preparados para acompanhar os novos tempos. Há algumas Congregações religiosas que pararam no passado e não se adequaram ao tempo atual. E, sobretudo, vejo que se perdeu a vida espiritual, que, para mim, é fundamental. Nós, hoje, corremos o risco de cair nas mesmas problemáticas das nossas famílias, onde a TV e a internet acabaram com o diálogo e a vida espiritual. Como em muitas famílias, deixou-se de rezar, também em nossas comunidades religiosas se tem outras prioridades . É sintomático o fato que naquelas congregações onde se tem viva a espiritualidade , as vocações não faltam. Mas está aparecendo outro fenômeno, se por um lado, as congregações sofrem, por outro o Espírito Santo não para de soprar, como se pode ver com o crescimento das novas comunidades. Temos uma comunidade em nossa Diocese que é muito boa e bem desenvolvida, que é a Arca da Aliança, natural de Joinville. A Arca da Aliança está presente nos meios de comunicação e no contato com o povo. Esse contato com os jovens e a família é fundamental. Mantêm firme a espiritualidade e o carisma
Em relação às vocações, como diocese, não há do que se queixar. Não temos um número grande de seminaristas, mas o suficiente para atender a demanda de nossa Diocese. E se Deus quiser, em breve poderemos mandar alguns padres em missões.
Site – Como está o PIME hoje em termos de vocações?
Dom Negri – O PIME nasceu na Itália. Quando entrei no seminário, éramos 60 seminaristas teólogos italianos. Hoje, não tem um italiano. São todos estrangeiros. Temos mais missionários brasileiros e os indianos, nem se fale! São as novas igrejas que estão evangelizando as velhas. A África é que mais dá vocações em termos percentuais de católicos. São os novos tempos da Igreja.
Site – O povo tem demonstrado muito carinho pelo Sr., haja vista o grande número de pedidos para celebrações nas comunidades e paróquias da Diocese. O Sr. sente esse carinho do povo?
Dom Negri – Realmente me sinto bem acolhido e aceito. Agradeço muito a Deus porque não é fácil. O meu estilo é missionário, acolher, ir ao encontro das pessoas. Vejo que isso está trazendo os seus frutos. Depois, temos que nos colocar na dimensão que Jesus nos mostrou: a das bem-aventuranças. “Felizes vós quando sois perseguidos”. Com certeza o nosso ser não poderá agradar a todos, mas não podemos olhar para isso. A coisa importante é semear, o resto virá como consequência . Estava muito bem como bispo auxiliar em Florianópolis, mas Deus me chamou e aqui eu estou. Estou muito feliz de poder estar nesta Diocese. Entre tantas, uma coisa boa que aconteceu foi o livro para jovens que escrevi com o título “Os jovens perguntam”. Escrevi este livro de propósito para os crismandos, porque acredito que são aqueles que merecem um pouco mais a nossa atenção. Abordo temas como a fé, vocação, espiritualidade e também a sexualidade, porque ninguém mais fala sobre isso. É uma maneira de aproximá-los e transmitir conteúdos. O dinheiro arrecadado é entregue para as vocações.
Site – Natural da terra de São Francisco de Assis, como o Sr. vê a presença franciscana na sua Diocese, especialmente em Gaspar, que neste ano celebrou o sesquicentenário?
Dom Negri – Sobretudo depois da visita que fiz a Gaspar, só tenho que agradecer a Deus. Os franciscanos foram grandes evangelizadores. Chegaram, semearam, construíram o Reino com simplicidade e amor como Francisco. A gente vê como o carisma franciscano faz parte da nossa Diocese, por exemplo, a nossa Catedral, que foi construída por Frei Brás. Os franciscanos formaram gerações através do Colégio Santo Antônio. Portanto, só posso agradecer a Deus pela presença dos frades. Eles vieram aqui e prepararam o caminho, formando o povo religiosa e culturalmente. Através do carisma franciscano se chega à fé em Jesus Cristo. Isso é o que importa. Os franciscanos deram um pouco ou tudo de si por esta terra e este povo. Então, só posso dizer: muito obrigado!
Site – A Paróquia de Gaspar estreia o seu site. Essa mídia ajuda na evangelização?
Dom Negri – Acredito que ela é fundamental. Acho que poderíamos, como Igreja, desfrutar mais deste meio de comunicação. Por exemplo, quando celebro as crismas, entrego uma cartinha para todos os crismandos e coloco no final o meu email. Como isso é importante! Muitos escrevem e falam comigo. É certo que a internet pode ser usada para o mal, mas pode também ser um ótimo instrumento, porque através dela você consegue entrar em contato com o mundo inteiro. Ser um cidadão do mundo. E uma paróquia precisa de um site, porque hoje ela consegue chegar mais rápido às pessoas através dessa comunicação. Através do púlpito da igreja, fala-se para 500 ou 600 pessoas, mas pela internet chega-se a milhares e milhares de pessoas. Então, temos de usar esses alto-falantes diferentes de nossa época. Antigamente, o Cura D’Ars falava de um púlpito sem microfone, depois veio o microfone e agora há esses novos meios. O Papa sempre ressalta a importância dessa mídia. Penso que a Igreja poderia investir mais nessa comunicação.
Site – Deixe uma mensagem para os paroquianos de Gaspar neste início de um novo ano.
Dom Negri – Minha mensagem é direcionada ao Ano da Família que teremos em 2012. Um ano muito importante para nós. E que realmente possamos nos espelhar na Sagrada Família, como dizia o Papa recentemente. Que possamos trazer para a família os valores e ajudar a educar os filhos justamente nesses valores cristãos, que hoje estão se perdendo. É muito importante a espiritualidade familiar. Digo sempre: a Palavra de Deus e o terço devem ser os fundamentos de todo o lar. A contemplação dos mistérios da vida de Jesus pode ser um grande sustento, sobretudo para as famílias que estão em crise e passando por momentos de dificuldades. Que não deixem de rezar juntas, que não deixem de ter formação juntas e que os pais sejam os primeiros catequistas, os primeiros formadores da família dentro de seus lares.